No Brasil, há algum tempo, nota-se um fenômeno, também característico em outras sociedades livres, que, nos mostra sua liberdade em prática, ao mesmo tempo que expõe seu calcanhar de Aquiles; a possibilidade de adotar, defender e propagar ideais que ameaçam a própria integridade da nação.
Não é de hoje que ideologias revolucionárias fazem a cabeça dos mais incautos, ansiosos por um novo arranjo de mundo, reflexo, muitas vezes, de uma identidade fragmentada e oca, sedenta de uma causa pela qual labutar; um lugar comum para depositar aquela disposição humana natural em praticar atos de heroísmo, certamente obscurecida por inclinações egóicas. Essa atividade tem se ocupado primordialmente do polo essencial de formação identitária da população; ou seja, a educação, refletindo em seus valores, condutas e estabelecimento de normas. As instituições mais evidentes, infectadas por esse mal, infelizmente, são as que se encarregam de “educar” a população; escolas e principalmente, universidades.
Ignorando os princípios para a manutenção do bem comum da nação, esses centros “educacionais”, encarregam-se de promover concepções que ameaçam demolir as próprias instituições, já que afetam a confluência da nação como um todo. Incitando, exatamente aquilo que disse Alexis de Tocqueville sobre o governo francês, pressentindo a Revolução do século XVIII, “ideias hostis ao indivíduo, opostas aos direitos particulares e amigas da violência”. E não é apenas a velha “luta de classes” que emaranhou a mente do intelectual moderno. A efervescência moderna por originalidade e excentricidade ocasionou uma lacuna cultural; aquela famosa frase de Bernard Chartres, “Somos comparáveis a anões encavalitados sobre os ombros de gigantes” explica a pressa por desvincular-se dos antigos. E, onde não há uma identidade preservada, certamente concepções ideológicas tomam a frente da construção cultural. Aqui, uma identidade nacional toma um papel sumariamente importante.
Compreender-se como parte de uma nação é mais do que enxergar-se como cidadão dotado de capacidade cívica; é entender que, cada indivíduo nascido dentro de uma nação tem conexão direta com esta, sendo uma parte valiosa para seu andamento e funcionalidade ao bem comum. Perceber-se como um organismo apartado do corpo político, leva a falsa compreensão de que, “sou explorado”, que “minhas ações como cidadão não possuem nenhum impacto sobre a nação”, que “devo me satisfazer ao máximo com o que a nação oferece e ignorar suas necessidades”, ou mesmo que “prestar qualquer forma de serviço, auxílio ou iniciativa ao coletivo, é dever dos governantes e autoridades políticas, não meu”. Esses pensamentos equivocados parecem percorrer a cabeça do homem comum e também do homem político que supostamente já escolheu trabalhar pela nação.
Compreender o papel de cidadão como parte primordial da nação, de forma adequada, está ligado diretamente a educação cultural com raízes bem definidas; a qual tem a missão de exprimir os valores e condutas, a importância das atividades públicas e como as ações da vida privada podem interferir na vida pública, assim como, quais as consequências dessas ações para o bem ou mal da comunidade, e consequentemente, para o próprio indivíduo. Uma verdadeira percepção só pode ser desenvolvida em uma mente onde princípios de bem viver estão bem cultivados. Isso possivelmente explica o porquê, diversos jovens, adentram as academias educacionais modernas e logo estão inebriados em um ambiente distinto de percepção que contrapõe e, por vezes, ignora, tudo que já aprenderam com suas famílias, em suas próprias vivencias cotidianas ou com outras pessoas, e compram uma ideia de mundo que, cedo ou tarde, mostra-se falsa diante das intempéries. Esse preenchimento indistinto e afunilado de consciência é mais visualizado em cursos de cunho humanista, usualmente levando a promessa de atuar pela humanidade, captam jovens que, de alguma forma, sofreram deficiências educacionais durante a vida e os princípios que apreenderam não foram fixados o bastante para que se mantivessem fiéis diante de uma acepção deturpada. Geralmente, são jovens que se sentiram injustiçados, apercebidos, inferiorizados, insignificantes, em mais de uma ocasião, e agora, encontram um lugar comum para tornarem-se um indivíduo dotado de qualidades que pensavam não possuir, ao passo em que se sentem importantes e tem uma causa pela qual labutar.
Essa especificidade fica evidente quando se observa uma sala de aula com indivíduos de idades distintas, em fases de vida completamente diferentes; os jovens, muitos, recém-saídos do ensino regular, começando a compreender seu papel no mundo, logo esgueiram-se pelas teorias e abraçam a causa do que é passado, e por outro lado, notam-se indivíduos com certa idade, alguns com suas próprias famílias, tendo seu próprio trabalho e responsabilidades, com um olhar mais desconfiado e por vezes, discordante, diante do ensino que lhes é apresentado. Aqueles tendem a ter uma visão idealista de mundo, em muitos casos fecham-se em um grupo particular e isolam-se destes, vistos como atrasados ou ignorantes, com suas visões, por vezes, mais realistas. Essa pequena heterogeneidade demonstra um ponto importante no entendimento de cada indivíduo. Uma experimentação, muitas vezes, faz um bom trabalho em desenvolver aqueles princípios primevos que sustentam a harmonia das boas comunidades.
O impedimento de bem desenvolver-se ocorre quando, durante o amadurecimento, o indivíduo se defronta com doutrinas traiçoeiras e de compreensão restrita. E, isso estende-se a como irão se portar diante da vida pública.
A visão das sociedades livres modernas sobre como deve ser gerida uma nação, por vezes, sugere que, qualquer tentativa de gerenciar um determinado comportamento da comunidade em função do bem comum, é tirânica, violenta e desumana. Quando, como parte do bom senso, compreende-se que existem as condutas de um cidadão que podem beneficiar a pátria, e as condutas nocivas, que geram o caos e ameaçam o bem da comunidade.
O ensino revolucionário tem exatamente essa função, incitando sentimentos revoltosos, declarando uma realidade de constante luta, desfragmentação e renovação, sempre em busca da des-hierarquização da sociedade, constrói uma atmosfera de caos e angústia. Os patrimônios públicos, agora tornam-se apenas objetos que despertam a ira daqueles que se sentiram expropriados, merecendo a depredação, o vandalismo, e a completa aniquilação. A belas esculturas, a arte, tornam-se prova da submissão nacional a uma “cultura europeia, branca e racista”, merecendo serem pichadas e até utilizadas como sanitários públicos; as conquistas da civilização tornam-se “exploração sobre os índios e povos menos afortunados”. As atividades de cada indivíduo tornam-se “construções sociais” que devem ser repensadas e “ressignificadas”; um homem não é mais apenas um homem, uma mulher não é mais apenas uma mulher, um funcionário não é mais apenas um funcionário, um patrão não é mais apenas um patrão, todos eles em suas funções, precisam invariavelmente e inevitavelmente serem “reconstruídos”.
Seus “papéis” são por demais desumanos, todos estão fazendo errado com suas injustiças e naturezas inclinadas ao mal, talvez uma reeducação simbólica possa ajudá-los a serem “boas pessoas”, ou quem sabe apenas cultive neles uma “boa vibração” e faça com que lutem pelas “causas certas”, para que todos sejam “felizes como quiserem”, livres de prejulgo, ameaça, e principalmente, angústia. Essa é a ambição da intelligentsia moderna, ignorando princípios básicos que participam da humanidade há milênios. Essas e outras ações, por mais inofensivas que pareçam a primeira vista, deixam um rastro de caos e desordem, do tipo que afeta não apenas grupos isolados, mas ameaçam a toda nação, contrariando até mesmo seu suposto intuito de minar a violência, suscitando uma identidade coletiva nociva que, em nada assemelha-se com o espírito comunitário de pequenas vilas provincianas, por exemplo, que, apesar da forte inclinação às causas da comunidade, ainda preservam a identidade particular de cada membro como indivíduo. É onde as torres da Igreja sobrepujam as casas que ainda se vê civilidade.
As ideias revolucionárias constroem impérios dentro da nação. Profissionais de diferentes áreas passam a hastear bandeiras, alguns sem conhecimento, outros por inclinação; agentes da saúde, educadores, profissionais do direito, formam grupos à parte, dispostos a gerir suas funções como mandam os mantras ideológicos. Cada área perfazendo seu caminho, rumo à desconstrução. E, então, é possível ver seu resultado; agentes da saúde que executam qualquer função, menos a que é de sua responsabilidade; professores que querem educar condutas, mas não ensinam. E assim por diante. A confusão afeta a todos.
Encarar a nação democrática como um Estado tirânico e opressor também oferece o risco de formação de grupos ativistas, não apenas de protesto pacífico, mas desordeiros. O interesse pela união a outros grupos de contraordem, inclusive estrangeiros, assinalam o eminente risco de terrorismo. Os interesses abstratos e não patrióticos das ideologias revolucionárias, tornam as ameaças à nação expressivamente sofisticadas. Não se materializa um inimigo visível em extensões territoriais, agora existem grupos específicos e esparsos. Não possuem uma nação com seu nome, mas tentam conquistar a todas como qualquer inimigo militar faria. Algo que soa como antiga Guerra Fria, uma paranoia fantasmagórica, é na verdade, bastante presente, quando observamos a atuação desses grupos.
A importância de uma identidade nacional está situada justamente nesse pilar. Quando um povo se identifica, se orgulha e se satisfaz com sua nação, dificilmente irá aderir a concepções políticas que ameacem sua conjuntura. Mas, para que isso ocorra, alguns pontos precisam estar bem estabelecidos. O Brasil, como país multicultural, miscigenado, hospitaleiro e diversificado, encontra nessa variedade sua formação cultural. Qualquer tentativa de negar ou sobrepujar essa identidade é querer subverter séculos de história da “Terra de Santa Cruz”. É saudável e desejável que se estimule a identidade nacional patriótica, no intuito de que o povo realmente se veja como parte de uma origem em comum e reconheça nos designíos da tradição a própria fisionomia, esgotando os hiatos em que se acoplam as ideologias.
Antony Daniels, constata em sua obra “Sobre a Nossa Cultura... ou o Que Restou Dela”, quão perigosa pode ser a ausência de um povo sentir-se parte da nação. Em determinado capítulo ele retrata, como franceses de ascendência nigeriana, detidos na França, eram facilmente recrutados como terroristas para o Estado Islâmico, com promessas de justiça e de serem indivíduos importantes, integrantes de um grupo. Sentiam-se injustiçados por estarem presos e cumprirem seus crimes, que, tinham certeza, foram cometidos por falta de oportunidades em decorrência da discriminação de seu país. Eram ressentidos quanto à nação, nunca se sentiram parte dela e ansiavam por represália. Tudo que sentiam era uma grande mágoa contra a sua própria nação. Um exemplo extremo, que não está longe do que se conhece no Brasil. Grupos criminosos, com os mesmos intuitos, utilizam-se dos mesmos discursos, agora popularizados, disseminados por grupos ideológicos; “fui injustiçado”, “a sociedade não me deu oportunidade”, “não tive outra opção”.
Quando a população se entende como nação, a iniciativa particular favorece o coletivo, os interesses próprios unem-se aos interesses nacionais e não os contrapõem. A essência dessa ação não é transformar a nação em uma superpotência econômica, ou ter um PIB mais desenvolvido, poderia sim, ser consequência; mas, o intuito principal no fortalecimento dessa estrutura é antes, conservar a vida da população, preservando seu caráter familiar, enquanto os agentes de segurança executam seus esforços contra outras ameaças que possam desorientar a segurança e a estabilidade do país.
Uma contrarrevolução político-ideológica e cultural, pode ser uma alternativa para resgatar o bom senso perdido ao longo de tantas investidas. O primeiro passo a ser dado é que cada um execute sua função com primazia, rasgando qualquer véu de distorção do real para focar unicamente em executar aquilo que está posto, sem invenções, ressignificações ou desconstruções, esse, sem dúvidas, será um grande feito. É importante também, assumir o peso da história cultural, seus símbolos, seus monumentos e procurar inclinar-se a resguardá-los, elucidar e propalar sua importância.
Os indivíduos não são partes distintas da nação, tudo que foi conquistado, descoberto e fundado reflete em cada um; todas essas conquistas não podem ser suplantadas ao bel prazer de espíritos viciosos.
Referências:
C. BARRETO, A. P. T. et. al. Conferências dos Professores da Escola Superior de Guerra – Objetivos Nacionais Permanentes; Estratégias Nacionais – XIII Ciclo de Estudos Sobre Segurança Nacional. Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra. 1971, São Paulo.
TOCQUEVILLE, A. Antigo Regime e Revolução – Editora Universidade de Brasília. 5ª Edição. 1997, Brasília.
JEAUNEAU, E. História Breve da Filosofia Medieval – Editorial Verbo, Lda., 1ª Edição. 1968, Lisboa.
DANIELS, A. (DALRYMPLE, T.) Nossa Cultura... ou o que restou dela – 26 ensaios sobre a degradação dos valores. É Realizações, 1ª Edição. 2015, São Paulo.
OLIVEIRA, P. C. de – Revolução e Contra-Revolução – Artpress, 4ª Edição. 1998, São Paulo.
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