Pular para o conteúdo principal

Ao Mago que Roubou a Cena do Espetáculo



Nesse baile de máscaras, onde a encenação impera e a sanidade é um devaneio disfarçado, tomo meu lugar em meio à plateia e observo as cenas à minha frente.
Por momentos quase me sinto mestre do picadeiro, com roteiro escrito, posso prever os eventos, narrá-los profeticamente, o que enlaça minha atenção e quase se torna enfadonho. Inesperadamente, surge tal figura à minha frente, um ilusionista, alto e de cabelos espessos, magistral em seus truques, que inicialmente, confesso, pensei serem comuns. A medida que elaborava seu número, notei sua diferença dos demais, além de seus arrojados truques, ele não usava máscara.
Estranhamente o público não parecia notar sua dessemelhança, perguntei-me se somente eu percebera tal particularidade. Seu compenetrado olhar em minha direção logo me fez constatar que minha desconfiança estava certa; aos outros, ele prosseguia disfarçado. Por alguns momentos senti seu desconforto ao executar suas façanhas, tendo conhecimento de minha percepção translúcida, e confuso sobre minha atuação a partir disso, ainda assim, não se deixou abalar, sua dedicação ao ato era imperturbável. 
Após alguns instantes, sua atenção pareceu dispersar-se em minha direção, uma certa inquietação e uma vigorosa curiosidade lhe tomavam de súbito, olhei ao redor e notei, eu também não usava máscara, logo me tornei o centro do espetáculo.
Já não era mais apenas um ato circense, estávamos em um baile de máscaras, às quais, não enxergávamos em nós mesmos. A vulnerabilidade do ato não pareceu amedrontar-nos, mas aos outros, aparentávamos como alienígenas. Eu não temia mais a diferença, mas a admirava em mim, sentia que um universo inteiro e completamente novo poderia ser criado, não existiam mais barreiras ao Éden.
Aqui me concedo uma reflexão, talvez o grande pecado do homem idealista seja a altivez... cremos poder chegar mais longe que qualquer outro, acreditamos veementemente existir um universo em que as barreiras e limitações naturalmente humanas são unicamente fruto de nossa apatia e que certamente, aplicar o empenho correto e "expandir a consciência" nos levará a mover muros vastos e refazer sociedades inteiras, ou pelo menos, a que nos cerceia. Não nos damos conta quando tais limitações, na verdade, somos nós. Tragados por nossos medos, angústias, autopreservações, egoísmos e toda sorte de vaidades, às quais não nos deixam alternativas, se não os disfarces.
Sucumbir à dança da ilusões faz do mago, afinal, um encantador de si mesmo, o gran finale do ato é o úmido sarcasmo velado por um gracejo interno que o faz indagar "estou enfeitiçando aos outros ou a mim mesmo?".
O desafio estimula, mas o horror ao inexplorado é perturbador, nenhum ato será executado sem a plena certeza de seu seguro e confortável resultado, e logo toda a mágica começa a se diluir, os atos deixam de ser inesperados, a mística que surgiria da audácia, abre espaço ao comum e a máscara ressurge como refúgio em si mesma. Contudo, por não ser essa natureza do mago, seu desconforto ao ser tolido em suas próprias limitações internas fazem do picadeiro um lugar de remissão no qual ele pode finalmente assumir sua natureza dúbia, como homem e bruxo, em que seus truques não são fingimento, mas parte de sua essência, os quais, de forma entregue, manuseia com completa aptidão.

Tal figura ainda reserva espaço em minha vasta coleção de experiências, e se posso admitir, em um restrito círculo de personalidades intrigantes, sobretudo porque também sou maga e o truque de revelar à plateia os artífices da magia e ainda assim não deixá-la enxergar, eu não conhecia... até agora.
Me possibilitou sonhar com um mundo em que as idealizações mais lunáticas abandonam a natureza de miragem e tornam-se manifestas, no qual os sentidos e sensações inexploradas tomam forma, onde a tradição não são os tortos modos socialmente etiquetados, mas um compilado de noções intuitivas, mais antigas que a própria humanidade, livre de barreiras auto impostas, longe de qualquer limitação intelectiva, essa afinal é a verdadeira natureza do Magician.

https://www.instagram.com/reel/CncudPwh3z8/?igsh=MWUzNjVhaG5lemNpOQ==

Comentários