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Ao Mago que Roubou a Cena do Espetáculo

Nesse baile de máscaras, onde a encenação impera e a sanidade é um devaneio disfarçado, tomo meu lugar em meio à plateia e observo as cenas à minha frente. Por momentos quase me sinto mestre do picadeiro, com roteiro escrito, posso prever os eventos, narrá-los profeticamente, o que enlaça minha atenção e quase se torna enfadonho. Inesperadamente, surge tal figura à minha frente, um ilusionista, alto e de cabelos espessos, magistral em seus truques, que inicialmente, confesso, pensei serem comuns. A medida que elaborava seu número, notei sua diferença dos demais, além de seus arrojados truques, ele não usava máscara. Estranhamente o público não parecia notar sua dessemelhança, perguntei-me se somente eu percebera tal particularidade. Seu compenetrado olhar em minha direção logo me fez constatar que minha desconfiança estava certa; aos outros, ele prosseguia disfarçado. Por alguns momentos senti seu desconforto ao executar suas façanhas, tendo conhecimento de minha percepção translúcida,...
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DO SARCASMO AO CIRCO, DO CIRCO À LOUCURA

Michael Cheval, "Charmer of the Attraction". R espeitável público, o espetáculo vai começar! Não há como negar a existência de certa fúria interna que assemelha-se a uma pura e despretensiosa descontração, a tal “sublimação” humana. O humor tem seus mistérios, afinal. Não por acaso, o teatro grego nos presentou com a manifestação de dois opostos estados humanos, a tragédia e a comédia. A primeira diz respeito ao excesso de verdade, a segunda, ao seu disfarce simbólico, o que explica o uso de máscaras nas primeiras aparições artísticas e a viagem a um estado quase inocente de consciência.   Ah... uma troça à democracia, diziam alguns, pobres necessitados de excelência! Para mim, apenas mais uma urgência humana em escoar insatisfações de modo socialmente aceitável, ou mesmo, de rememorar aquele período no qual a ótica minimalista infantil possibilitava grandes abstrações. Dissequemos aqui, então, meus caros, o arquétipo do deus Momo, ou Μώμος (Momos), do grego “deboche”, co...

Curiositas - Uma Sina Episódica

Alegoria da Transciência - Antonio de Pereda (1634). Adiei em demasia este momento, por acídia, quem sabe, talvez agitação? Ah, antes, por covardia. Não me leve a mal, caro leitor, quando quero tenho expertize na arte de fazer-me desentendida... não, não a mim, aos outros... Compreendeu? Bem, é dessa arte que estava falando. Sei dizer sem falar, expressar sem entregar e ceder sem doar, uma ilusionista de minhas inquietudes; ou seria uma maga de meus vocábulos?  Antes que desprestensiosamente suponha que não chegarei a lugar algum, comprometo-me aqui, que ardam em chamas estas palavras caso não corresponda ao acordo, se, até o fim desta explanação eu não dispuser qualquer traço de compreensão. Não prometo, é claro, abrir-me por inteiro, que assim não seria motivo para que estivesse a discorrer tais penúrias, mas não espere disto um caos, o aviso inicial é apenas receio e de forma amistosa... um convite. Não dificultarei a assimilação deste conteúdo, como é meu costume discorrer em c...

Brevíssima Crônica acerca da Curiosidade Cotidiana

C erta manhã flagrei-me atônita, em pé, no certeiro ângulo que me permitia ver a janela de meus aposentos, típico prédio de bairro, de frente para trânsitos, comércios e uma ruela que vez ou outra me dispunha a debruçar-me para observar o pouco movimento. A casa da frente, que há alguns meses havia perdido sua provecta inquilina para uma de nossas recentes gripes pestilentas era agora pintada por um senhor franzino e de baixa estatura. Com certo primor ele lapidava a tinta sobre as paredes, que antes amareladas em bege pêssego e disformes, agora tomavam tom de rubro vivo. Mesmo nesse estado absorto, não demorei a perceber que o interesse não convidava unicamente a mim – prontamente surgiu uma senhorinha com estatura equiparável, de cabelos grisalhos amarrados medianamente em rabo de cavalo, com uma sacola nos antebraços, parecia balbuciar qualquer coisa para o trabalhador enquanto fitava atentamente o vai e vem do rolo entumecido de tinta. Naquele instante percebi que algo nos conectav...

A Cidade das Damas - fragmento

  Um dia, estava eu, como de hábito, com a mesma disciplina que rege minha vida, recolhida em meu gabinete de leitura, cercada de vários volumes, tratando dos mais diversos assuntos. Com a mente cansada por ter passado um bom tempo estudando sentenças complexas de tantos autores, levantei a vista do texto, decidindo deixar, por um momento, assuntos mais sutis para deleitar-me com a leitura de alguma poesia. E, com esse intuito, procurando a volta algum livrete, caiu entre minhas mãos um certo opúsculo que não me pertencia, mas que alguém havia deixado ali com outros volumes por empréstimo. Abri-o, então, e observei no título que se tratava de Mateolo. Pus-me, então, a rir, pois ainda não o havia lido, mas sabia que, entre outros livros, esse tinha a reputação de falar bem das mulheres! Pensei então que, para me divertir um pouco deveria percorrê-lo. Mas, a leitura mal havia começado, minha mãe chamou-me à mesa. Chegara a hora do jantar. Comprometi-me, assim, a retornar no dia segui...

A Modernidade Dando Voz aos Sofistas

O fenômeno da sofística não é recente, data de alguns séculos antes de Cristo (500-400 a. C. apx.), para ser mais exata. Os sofistas, inicialmente considerados sábios e posteriormente rechaçados, eram os quais Aristóteles considerava capciosos e segundo o qual eram o pior tipo de argumentador, posto que, além de não estarem preocupados com a superior finalidade de um argumento – encontrar a Verdade – valiam-se de tal para chafurdarem-se em vaidade e contaminarem a formação linear dos espíritos mais sugestivos, apregoando argumentos vazios e utilizando-se de semântica prolixa com ares de ornamento ao seu bel prazer, embrulhavam-se em imagem de verdade; e, como maçãs podres pintadas de açúcar, ofereciam seu "conhecimento" e pseudo-retórica aos desavisados, obscurecendo os intelectos. Eram mesmo as ervas daninhas da filosofia. Não esperássemos pois, que, estando, ao tempo das encarniçadas revoluções, das liberalidades intelectuais e das corrupções morais, não alçasse sobre nós o...

Dos Pretestos Inventados

    Tal fera indômita e incorrigível é a mente que transborda a ânsia pelo infinito . Inicio esse escrito pelo fim, justificando-me perante a invisível platéia diante de mim – buscava unicamente um pretesto. Saudações a todos! O medo antigo retornou!  Não quero assustá-los, por falta de melhores modos de enfrentar o vício, defrontá-lo parece-me o mais cabível. Afinal, Aristóteles não os colocaria como extremidades de um mesmo ângulo donde o meio unicamente constrói as virtudes – o árduo equilíbrio, se não o pudéssemos domesticar. Peço licença aos conterrâneos, serei aqui mais literata que filósofa; mais poetisa que teóloga, e entre dois ângulos, uma lírica de tavernas. Mas onde estávamos? Ah! O medo. Sim, paixão que desprezo (perdoe-me Sto. Tomás) e quisera eu certo dia excluí-la de meu vocabulário. Impossível missão, visto que o sucesso de sua aniliquilação provaria justamente sua existência... Mas deixemos de lado as divagações caducas, não mais delongarei. Não é novida...